
Apagão de documentos históricos
- YLÈ XANGÔ & OXUM
- 7 de nov. de 2022
- 2 min de leitura
Os primeiros relatos de ritos que remetem à religiosidade negra em Curitiba datam do século 18. O projeto Lugares de Axé, coordenado pela pesquisadora Patrícia Martins, professora do Instituto Federal do Paraná (IFPR), identificou uma denúncia feita ao Santo Ofício da Inquisição no dia 31 de março de 1780. A queixa é do capitão-mor da Vila de Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade, que acusa Manuel Preto, escravo do Vigário da cidade, de fazer “coisas sobrenaturais”.
O documento evidencia o quanto a elite usufruía dos dons de Manuel, pedindo a ele que curasse os enfermos das famílias abastadas, mas não estava disposta a defendê-lo. “Foi o caso do comerciante Manuel Torres Vaz, que interrogado durante o processo declarou que durante a cura de uma filha sua presenciou o curandeiro ‘deitar em hum Pratto de Agoa humas fructas qué pareciam carossos de azeitona’, com as quais interpretava se o doente sararia se ‘os fructos indios’ flutuassem na água ou morreria se os mesmos ‘focem ao fundo’”, detalha o relatório do projeto.
Ele não foi o único a praticar o que se chamava de “feitiçaria” por aqui. “A umbanda tem esse marco do Zélio de Morais, no Rio de Janeiro, mas antes já existia gente trabalhando com caboclos e encantados em Curitiba”, assegura Hoshino, que atua como pesquisador e professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integra o Fórum Paranaense de Religiões de Matriz Africana (FPRMA) e a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO). Ele encontrou denúncias dos atendimentos com entidades e jogos de búzios em jornais dos séculos 18 e 19, respectivamente, mas não acredita que as práticas tenham realmente começado aí.
“A Irmandade do Rosário e São Benedito, que tem sua igreja construída na primeira metade de 1700, no Largo da Ordem, provavelmente tinha relação – como as outras irmandades negras em todo o Brasil tinham – com os cultos de matriz africana”, cita o pesquisador. “Seja porque os santos católicos eram festejados com danças, toques e nas línguas das populações negras, seja porque escondiam da igreja outros ritos que não podiam contar. A gente buscou, mas nunca encontrou o acervo da Irmandade. Não sabemos onde esses documentos foram parar.”
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